Por Geraldo Carneiro*
Traducción del portugués al español por Joan Navarro
Curaduría por Fabrício Marques
Crédito de la foto www.oglobo.globo.com
Bazar de espantos.
7 poemas de Geraldo Carneiro
bazar de espantos
yo no tengo palabras, excepto dos
o tres que me acompañan desde siempre
desde que tengo memoria,
en las pasadas eras en que era yo mismo.
ahora soy una especie de arremedo,
despojado de mis divinas naturalezas.
ya no me atrevo al ego sum qui sum.
sin embargo guardo en mi bazar de espantos
la palabra esplendor, la palabra furia,
a veces hasta me arriesgo con la palabra amor,
incluso sabiendo por detrás de sus plumas
la improbable semántica de las brumas
el rastro irremediable de otro verso
o quién sabe la sintaxis del universo
el tal total
el amor es el tal total que mueve el mundo
la tal totalidad tautológica,
el cómo somos: nuestros cromosomas
en los cuales nunca se perteneció a la nada:
sólo pertenecemos al todo total
que nos absorbe y sorbe nuestras aguas
y nuestras penas se quedan revoloteando
como si revoltosas al principio,
aquel principio del precipicio originario
donde estaba Orfeo, donde estaba Prometeo,
y continúa estando siempre allí
el muelle, el never more, el nunca más,
el tal del eres polvo y al polvo volverás
espejismo en abismo
no sé de qué tejido está hecho el ser.
mis planes sueños engaños
se tejen en la fábrica de la vida
y se destejen en la arquitectura del caos.
voy creando edificios en los que me
demoro
y de donde salto en busca de no sé.
mi ser es parte de ese espejismo
en abismo
un espejo en el que no me veo
y en no viéndome enciendo la llama
que se llama deseo.
talvez del otro lado exista un muelle.
sé que siempre existe cierta distancia
entre mí
y el circo de la mía circunstancia
ilíada
nunca caminé delante de los muros
de Troya
a no ser como parte del pensamiento
de Zeus, que jamás duerme.
amé sin embargo una mujer que fue
a vivir al otro lado del Océano
por quien lloré unos dos mediterráneos
aunque fuese un llanto sin lágrimas.
no conozco la alegría del regreso.
mi corazón perdió todas las guerras.
mis navíos partieron para nunca.
pero confío que los dioses sean benignos
y mis adioses forman la ciudad
en que ancoré mi barco:
y me quedo aquí en mi isla-Ílion
mientras ellos desfilan triunfantes.
conspiraciones
algo se desprende de mi cuerpo
y vuela
no cabe en el marco de mi cielo.
soy náufrago en el firmamento.
el viento de la poesía me lleva más allá de mí
el sol me enciende, estrellas me soportan
Odiseo en los suburbios de la galaxia.
amor es lo que me sabe y lo que me sobra
otro castillo que naufraga
como tantos que la fuerza de mi sueño
quiso transformar en catedrales.
ilusiones? aún me quedan dos docenas.
conspiraciones de amor, talvez no más
balada del impostor
soy un impostor, un día sabrán
que simulé todo lo que siempre fui.
soy una ficción, mi sangre es solo lenguaje
mi aliento es una explosión que viene de dentro
en forma de palabra.
cuando ya no exista más, seré yo mismo.
mientras tardo, trapaceo contra el tiempo,
la máquina que me va devorando,
y voy pasando como todo pasa
en busca de una gracia que ultrapase
el círculo de mi circunstancia
el espejo que no sea sino el otro
ese que me habita y que me acecha
y, no siendo yo, me acata mis espantos
eternidad
para los estoicos el tiempo no era
la mera caravana de los sucesos
esa aventura casi siempre sin sentido
en el rumbo de la anti-Caná
la tierra donde no existe ningún Moisés
extravagando en el Desierto de los Signos
existe así un otro tiempo, inmóvil,
en el cual planea la palabra no pronunciada,
el mito, siendo todo y nada,
e ideas como flores aún a la espera
de otra Era o sólo de la primavera
y del desciframiento posterior
en suma, si los estoicos no crearon
un sistema solar irresistible
capaz de orientar la órbita de los astros
y las carabelas del conquistador,
en cambio talvez hayan inventado
la mejor metáfora del amor
——————————————————————————————————
(poemas en su idioma original, portugués)

Bazar de espantos.
7 poesias do Geraldo Carneiro
bazar de espantos
eu não tenho palavras, exceto duas
ou três que me acompanham desde sempre
desde que me desentendo por gente,
nas priscas eras em que era eu mesmo.
agora sou uma espécie de arremedo,
despido das minhas divinaturas.
já não me atrevo ao ego sum qui sum.
guardo no entanto em meu bazar de espantos
a palavra esplendor, a palavra fúria,
às vezes até me arrisco à palavra amor,
mesmo sabendo por trás de suas plumas
a improvável semântica das brumas
o rastro irremediável de outro verso
ou quem sabe a sintaxe do universo
o tal total
o amor é o tal total que move o mundo
a tal totalidade tautológica,
o como somos: nossos cromossomos
nos quais nunca se pertenceu ao nada:
só pertencemos ao tudo total
que nos absorve e sorve as nossas águas
e as nossas mágoas ficam revoando
como se revoltadas ao princípio,
àquele principício originário
onde era Orfeu, onde era Prometeu,
e continua sendo sempre lá
o cais, o never more, o nunca mais,
o tal do és pó e ao pó retornarás
miragem em abismo
não sei de que tecido é feito o ser.
meus planos sonhos enganos
se tecem na fábrica da vida
e se destecem na arquitetura do caos.
vou criando edifícios em que me
demoro
e de onde salto em busca de não sei.
meu ser é parte dessa miragem
em abismo
um espelho em que me não vejo
e em me não vendo acendo a chama
que se chama desejo.
talvez do outro lado exista um cais.
sei que sempre existe certa distância
entre mim
e o circo da minha circunstancia
ilíada
nunca andei diante dos muros
de Troia
a não ser como parte do pensamento
de Zeus, que jamais dorme.
amei no entanto uma mulher que foi
morar do outro lado do Oceano
por quem chorei uns dois mediterrâneos
embora fosse um choro sem lágrimas.
não conheço a alegria do regresso.
meu coração perdeu todas as guerras.
meus navios partiram para nunca.
mas confio que os deuses são benignos
e os meus adeuses formam a cidade
em que ancorei meu barco:
e fico aqui na minha ilha-Ílion
enquanto eles desfilam em triunfo.
conspirações
alguma coisa se desprende do meu corpo
e voa
não cabe na moldura do meu céu.
sou náufrago no firmamento.
o vento da poesia me conduz além de mim
o sol me acende, estrelas me suportam
Odisseu nos subúrbios da galáxia.
amor é o que me sabe e o que me sobra
outro castelo que naufraga
como tantos que a força do meu sonho
quis transformar em catedrais.
ilusões? ainda me restam duas dúzias.
conspirações de amor, talvez não mais
balada do impostor
sou um impostor, um dia saberão
que simulei tudo o que sempre fui.
sou uma ficção, meu sangue é só linguagem
meu sopro é uma explosão que vem de dentro
em forma de palavra.
quando já não for mais, serei eu mesmo.
enquanto tardo, trapaceio contra o tempo,
a máquina que vai me devorando,
e vou passando como tudo passa
em busca de uma graça que ultrapasse
o círculo da minha circunstância
o espelho que não seja senão o outro
esse que me habita e que me espreita
e, não sendo eu, me acata os meus espantos
eternidade
para os estoicos o tempo não era
a mera caravana dos sucessos
essa aventura quase sempre sem sentido
no rumo da anti-Canaã
a terra onde não há qualquer Moisés
extravagando no Deserto dos Sinais
existe assim um outro tempo, imóvel,
no qual paira a palavra impronunciada,
o mito, sendo tudo e nada,
e ideias como flores ainda à espera
de outra Era ou só da primavera
e da decifração posterior
em suma, se os estoicos não criaram
um sistema solar irresistível
capaz de orientar a órbita dos astros
e as caravelas do conquistador,
em troca talvez tenham inventado
a melhor metáfora do amor
*(Belo Horizonte-Minas Gerais, 1952). Poeta, letrista y guionista de televisión, teatro y cine. Es miembro de la Academia Brasileña de Letras. Ha publicado en poesía Em busca do Sete-Estrelo, Verão vagabundo, Piquenique em Xanadu, Pandemônio, Folias metafísicas, Por mares nunca dantes, Lira dos cinquent’anos e Balada do impostor. Con Carlito Azevedo publicó Sonhos da Insônia, una traducción de los sonetos de William Shakespeare.






